segunda-feira, 30 de agosto de 2010

“SER JOVEM” (Arthur da Távola)



Olá, queridos!!


Trabalhei com os alunos da 8ª série do Colégio Estadual José Bonifácio, em Paranaguá, esse lindo texto de Arthur da Távola. Depois de lermos e relermos, interpretarmos as figuras de linguagem propus: O que é ser jovem para você?


Os textos deles ficaram lindos e eu aproveito para postar o texto do Arthur da Távola e depois um texto da aluna Priscila Viegas da 8ª série E.


Quando comentar diga o que é ser jovem para você ou o que mais te impressionou nesse texto!!


Boa tarde!!


Beijos!


“Ser jovem é não perder o encanto e o susto de qualquer espera. É, sobretudo, não ficar fixado nos padrões da própria formação.Ser jovem é ter abertura para o novo na mesma medida do respeito ao imutável.
É acreditar um pouco na imortalidade da vida, é querer a festa, o jogo, a brincadeira, a lua, o impossível, o distante. Ser jovem é ser bêbado de infinitos que terminam logo ali. É só pensar na morte de vez em quando. É não saber de nada e poder tudo.
Ser jovem é ainda acordar, pelo menos de vez em quando, assobiando uma canção, antes mesmo de escovar os dentes. Ser jovem é não dar bola para o síndico, mas reconhecer que ele está na sua. É achar graça do riso, ter pena dos tristes e ficar ao lado das crianças.
Ser jovem é estar sempre aprendendo inglês, é gostar de cor, xarope, gengibirra e pastel de padaria. Ser jovem é não ter azia, é gostar de dormir e crer na mudança; é meter o dedo no bolo e lamber o glacê.
É cantar fora do tom, mastigar depressa e engolir devagar a fala do avô. É gostar da barca da Cantareira, carro velho e roupa sem amargura. É bater papo com a baiana, curtir o ônibus e detestar meia marrom.
Ser jovem é beber chuvas, ter estranhas, súbitas e inexplicáveis atrações. É temer o testemunho, detestar os solenes, duvidar das palavras. Ser jovem é não acreditar no que está pensando exceto se o pensamento permanecer depois. É saber sorrir e alimentar secreta simpatia pelos crentes que cantam na praça em semicírculo, Bíblia na mão, sonho no coração.
É gostar de ler e tentar silêncios quase impossíveis. É acreditar no dia novo como obra de Deus. É ser metafísica sem ter metafísica. É curtir trem, alface fresquinha, cheiro de hortelã. É gostar até de talco. Ser jovem é ter ódio de cachimbo, de bala jujuba, de manipulação, de ser usado.
Ser jovem é ser capaz de compreender a tia, de entender o reclamo da empregada e apoiar seu atraso. Ser jovem é continuar gostando de deitar na grama. É gostar de beijo, de pele, de olho. Ser jovem é não perder o hábito de se encabular. É ir para ser apresentado (“- Já conhece fulano?”) morrendo de medo.
Ser jovem é permanecer descobrindo. É querer ir à lua ou conhecer Finlândias, Escócias e praias adivinhadas. É sentir cheiros raríssimos: cheiro de férias, cheiro de mãe chegando em casa em dia de chuva, cheiro de festa, aipim, camisa, marcenaria ou toalha lá do clube.
Ser jovem é andar confiante como quem salta, se possível, de mãos dadas com o ar. É ter coragem de nascer a cada dia e embrulhar as fossas no celofane do não faz mal. É acreditar em frases, pessoas, mitos, forças, sons, é crer no que não vale à pena, mas ai da vida se não fosse isso.
É descobrir um belo que não conta. É recear as revelações e ir para casa com gosto do seu silêncio amargo ou agridoce.
Ser jovem é ter a capacidade do perdão e andar com os olhos cheios de capim cheiroso. É ter tédios passageiros, é amar a vida, é ter uma palavra de compreensão. Ser jovem é lembrar pouco da infância por não precisar fazê-lo para suportar a vida. Ser jovem é ser capaz de anestesias salvadoras.
Fossa: na linguagem informal, “estar na fossa” equivale a estar deprimido, desalentado.
Gengibirra: espécie de refrigerante de gengibre.
Metafísica: ramo da filosofia que estuda os fundamentos da existência ou realidade.
Metro: um dos mais importantes estúdios do cinema americano.
Ser jovem é misturar tudo isso com a idade que se tenha, trinta, quarenta, cinqüenta, sessenta, setenta ou dezenove. É sempre abrir a porta com emoção. É esperar dos outros o que ainda não desistiu de querer. Ser jovem é viver em estado de fundo musical, de superprodução da Metro. É abraçar esquinas, mundos, espaços, luzes, flores, livros, discos, cachorros e a menininha com um profundo, aberto e incomensurável abraço feito de festa, cocada preta, dentes brancos e dedos tímidos, todos prontos para os desencontros da vida. Com uma profunda e permanente vontade de SER. ”




O que é ser jovem? (por Priscila M. S. Viegas - 8ª E - 2010)


Ser jovem é saber viver a vida, viver desafios, aprender coisas novas, sair, se divertir, brincar, sorrir. Mas, ser jovem, é também ter problemas.


Nem todo jovem pensa igual, jovem não tem idade certa e nem hora para ser jovem.


A pessoa, quando quer ser jovem, sabe viver, sabe a alegria da vida.


Tem jovem que é revoltado por motivos pessoais.


Mas, para mim, ser jovem é não beber, não usar drogas ou revoltar-se sem motivos.


A palavra jovem, por si só, já é tão cheia de vida para mim, ser jovem é viver!!






domingo, 15 de agosto de 2010

Um dia de menino...


Olá, pessoal!!

Como foram as férias de julho?

Aqui em Paranaguá muita, mas muita chuva mesmo...

Selecionei alguns textos dos alunos para postar nos próximos dias, mas antes disso vou postar o texto do meu irmão: Pablo Molina Cebrian - Ele trabalhou nas férias! hehehe

Tá ficando profissional, hem!! Parabéns!

Esse texto até poderia ser classificado como do gênero Memórias, mas para isso teria que ser em primeira pessoa. Por isso vamos classificá-lo como conto, pois assim preferiu o autor... (Qualquer semelhança, terá sido mera coincidência).

Deleitem-se e comentem...


Seis da manhã, o velho rádio relógio desperta para despertar também o menino. Lavar o rosto escovar os dentes. Sai para comprar o pão para o café da manhã. Antes de sair coloca a água no fogo, o leite na leiteira também vai ao fogo. No caminho para o mercado o menino tem que enfrentar um de seus maiores medos: é a hora em que os vizinhos soltam seus cães para fazerem as necessidades. Na rua desde vira-latas até cães de raça, para ele não importa a raça, desde que há muito foi perseguido por um pequeno cão, desenvolveu uma verdadeira fobia desses animais, não fosse pela gata Mimosa que enfrentou o cachorro, talvez tivesse sido mordido. É isso mesmo, uma gata enfrentou um cachorro para proteger o dono, acreditem se quiserem... No caminho muda de rua ao avistar um cão. Ele sabe que esses animais pressentem, pelo faro, o medo, e tenta ficar o mais longe deles possível, sabe também que não pode correr, pois isso aguça o instinto dos cães. Nesse dia segue para o mercado e, antes que possa mudar de calçada, se depara com um cão saindo detrás de uma moita, o animal logo pressente o medo e vai atrás dele rosnando e latindo, o menino segue seu caminho trêmulo, esperando a hora em que o animal vai cravar-lhe os dentes afiados, é quando aparece outro cachorro e o que está ao seu encalço o deixa para cheirar e brigar com outro da raça.
Quando volta para casa, a velha leiteira assobia alto acordando aqueles que ainda dormem, mas ela não assobia sozinha, da cozinha onde está, pode perfeitamente escutar outras leiteiras dos apartamentos vizinhos. Passa o café. Tão pequeno e se orgulha de fazer um bom café, três copos d’água, uma colher de sopa bem cheia de pó de café, açúcar depois, a gosto. Receita ensinada pelo pai que há alguns anos não está mais ali com a família, morreu inesperadamente de complicações pelo uso abusivo do cigarro, deixou-os desnorteados: mãe, uma irmã mais velha e o menino, dias difíceis...
A essa altura todos acordados, tomam café. É hora de ir para a escola, que fica a algumas quadras do apartamento, despede-se da mãe com um beijo e ruma para o Instituto de Educação, um grande colégio onde estudam crianças de toda a cidade. Na chegada ao colégio todos em fila no grande pátio interno, cantam o hino nacional, vêem o hasteamento da bandeira. Primeira lição do dia: moral e cívica, poucos a compreendem, no calor do verão, pela manhã, a tarefa não é tão penosa, já à tarde, quando ali mesmo estudou, não era difícil algum aluno desmaiar visto a força do sol na cabeça e o estômago cheio depois do almoço. Seguem para a sala de aula, no começo da caminhada, em fila, mas sem a presença de algum professor, quase sempre numa corrida desenfreada aos gritos, uns brincando, outros brigando. O menino possui alguns poucos amigos, e outros que o perseguem, sem ele nem saber o porquê. As aulas seguem, Português, regras de acentuação, ditado, antes de p e b vem m e no final das palavras. A professora se esforça para manter a turma em silêncio: briga, ameaça tirar nota. Uma senhora muito soberba, cabeça erguida, dona de si, um olho bem aberto e outro meio fechado tornando sua figura ainda mais imponente e ameaçadora, nenhum aluno ousa faltar-lhe, por respeito, o menino distante, de olho no relógio herdado do pai, conta as horas para o fim do tormento. Mais uma aula e é hora do intervalo, sai uma professora e entra outra, dessa vez, Inglês, a aula é menos pesada, todos sabem que Inglês, assim como Educação Física, não reprova. A professora bem mais agradável: uma senhora de cabelos brancos curtos, conhece a apostila de cor, todos os exercícios, e chama todos pelo sobrenome, conseguia o respeito da turma pela admiração, nunca perdeu a linha. E, depois de anos, com o menino já rapaz, para surpresa dele, ela o cumprimenta chamando-o pelo sobrenome, essa sim, digna de admiração.
Dez horas. Bate o sinal para o intervalo. Todos correm para a cantina, no cardápio, sagu quente servido na xícara azul de plástico com a colher da mesma cor. Uns pegam a merenda e voltam para o fim da fila pra poder repetir em seguida. O menino come o sagu quente sem muito apetite e com outro amigo conta moedas para comprar doces na casa da zeladora que improvisou uma pequena venda: balas, chicletes, maria-mole, teta-de-nega, e o preferido em dias quentes, chup-chup. Com algumas moedas fazia-se a festa: um luxo que só de vez em quando podia arcar.
De volta a sala de aula, antes do próximo professor entrar, muitas vezes era obrigado a aguentar ameaças e xingamentos dos maiores. Nesse dia um desses meninos ameaçou bater-lhe e ao tentar se defender arranhou o braço do outro, que só não o bateu na mesma hora porque o professor chegou, mas ameaça pegá-lo na saída. Nesses dias de ameaças, o tempo ao invés de se arrastar passava sempre mais rápido, já não conseguia prestar atenção na aula, pedir ajuda a algum professor só aumentaria a vergonha, estava por sua própria conta, o outro menino o olhava cada vez mais ameaçador, todos queriam briga, bate o sinal de saída e todos correm para a frente da escola para esperá-lo. Não era a primeira vez que isso acontecia, o menino franzino, triste por não ter com quem contar sai da sala, ruma para o fundo do colégio sozinho, uma pequena escada abre passagem para o prédio da faculdade, ele atravessa o pátio e sai pela frente, desce as escadas e vai para o lado oposto dos que o estão esperando. A próxima rua, sem saída, tem uma passagem no muro que dá para os trilhos do trem. Ele conhece bem o caminho: atravessa os trilhos e ruma para casa. Antes de atravessar a rua ainda vê que o estão esperando na frente da escola. Vai pra casa sorrindo, sobreviveu a mais um dia de “aula”.
Chega em casa e é hora do almoço, a mãe o cumprimenta e pergunta como foi a aula, “tudo bem”, ele responde, poupando a mãe do aborrecimento que a pouco havia passado. Almoça junto com a mãe e a irmã. A mãe sai para trabalhar e a tarde é para andar pelo bairro, brincar com os vizinhos, longe da escola. Na rua se sente muito mais protegido: jogam bets, bolinhas de gude, empinam pipas, quebram vidraças, estouram caixas de correios com bombinhas. Assim passava as tardes... Naquele dia, um vizinho maior o convida para pegar goiabas num quintal de uma casa vazia. Rumam para lá despreocupados. Ao chegar na casa percebem que está em reformas e que alguns homens estão trabalhando. Sem se importar seguem direto para a goiabeira e começam a cortar goiabas. Um dos homens que trabalhava ali pergunta o que estão fazendo, então o menino maior diz que a casa é da tia dele e que ela deixou cortar goiabas. O homem não acreditando começa a xingar e corre em direção aos meninos, que a essa altura já rumavam em disparada para o portão aberto, a tempo de ainda se esquivarem de um pedaço de pau que o homem os atirou. Seguem para a rua rindo, o coração disparado pelo susto e pela correria, nem uma só goiaba nas mãos. Logo a frente, percebem uma casa vazia, um muro baixo. Incentivado pelo menino mais velho pula o muro e os dois seguem para o fundo do quintal. Uma visão impressionante para o menino: um pé de maracujá, se é que se pode chamar assim, enorme, suas ramas cobrindo outras árvores e muitos frutos. Começam a colher os maduros do chão mesmo, os do pé ainda verdes. Sobem em uma árvore para alcançar a maior quantidade possível, rindo da sorte que tiveram. Também uma goiabeira, o menino corta uma goiaba e ao mordê-la percebe que está cheia de bichos. Joga fora, deixa o pé de goiaba de lado, quem precisa de goiabas quando se tem maracujás? Perdem algum tempo ali naquela função, usam as camisetas para levarem os frutos e ao rumarem para a frente do terreno deparam-se com uma viatura da polícia estacionada bem na frente da casa. "E agora?" - perguntam-se os dois. Ficam no fundo do terreno, esperando que a viatura saia. O tempo passa e também a paciência dos meninos, que decidem pular o muro do fundo da casa. Quando o maior aponta em cima do muro, escuta uma voz do outro lado: "Vocês estão cercados, a polícia cercou a casa" - e agora? Desesperados não sabem o que fazer. O menino só pensa que vai acabar preso. O medo está estampado no rosto do mais velho, que decide sair pelo portão como se nada tivesse acontecido, "se a polícia perguntar diga que a dona é nossa tia". A mesma história não havia colado com os pedreiros, a polícia iria acreditar? Se enchem de coragem e, ao tentar sair pelo portão, constatam que está trancado. Os policiais, na viatura, os observam. O menino mais velho apavorado ruma para o canto do muro mais afastado da viatura, pula e vai embora deixando o menor sozinho. Não podendo ir para trás da casa, o menino vê que só tem um jeito: pular o muro e encarar a policia. Respira fundo, põe os maracujás sobre o muro e com dificuldade pula na calçada. Começa a recolher as frutas. O policial o chama e pergunta: "O que você está fazendo ai menino?" Então o menino conta a história que a pouco não funcionara no outro quintal: "É a casa da minha tia, vim apanhar maracujás para ela." O policial finge engolir a história e, antes de dar a partida na viatura, aconselha: "Não faça mais isso. É perigoso. Você pode acabar tomando um tiro." O menino acena afirmativamente com a cabeça e ruma para casa. Ao chegar ao prédio, o vizinho o espera pra saber o que aconteceu. Ele conta como enganou os policiais e os dois riem e se divertem pelo susto que acabaram de passar. A tarde está acabando, logo sua mãe chegará do trabalho. Em casa o menino saboreia o melhor suco que já provou, não tão doce, um pouco azedo, um suco com o sabor que só quem já foi menino um dia, e roubou fruta do pé, pode conhecer e atestar.

domingo, 27 de junho de 2010

Copa do mundo


Olá, pessoal!!!

Está acontecendo, na África do Sul, um dos eventos esportivos mais badalados do planeta e que, especialmente entre os brasileiros, é o mais esperado. Ele muda nossas rotinas, muda as cores de nossas roupas, nossas ruas. Durante o tempo em que acontece a Copa do Mundo nos tornamos os espectadores mais apaixonados e patriotas que existem.

Eu tinha aula com o 2° ano F, do Colégio Estadual José Bonifácio, no dia da Abertura da Copa do Mundo e, como não poderia deixar de ser, a primeira coisa que eles perguntaram, quando eu entrei na sala, foi: "Professora, nós vamos assistir à abertura da Copa, não vamos?". Claro que eu já tinha conversado com a direção sobre o assunto e fomos liberados para assistir, desde que (Oração subordinada Adverbial Condicional) fizéssemos alguma atividade relacionada ao que assistiríamos.

Tudo acertado, os alunos começaram assitir à Abertura da Copa do Mundo com a tarefa de escrever um texto sobre aquele momento especial.

Vários textos foram entregues, mas eu quero destacar o texto do aluno Jean Paulo dos Santos.


Show da Shakira na Abertura da Copa do Mundo 2010

O dia 10 de junho de 2010 vai ficar em minha memória.

A abertura da Copa foi no melhor estádio da competição, o Soccer City, onde estavam presentes oitenta e cinco mil pessoas assistindo àqueles artistas que empolgavam não somente às pessoas de seus próprios países. Quando entrou no palco o grupo Black Eyead Pears, e só assim, o público todo da arquibancada levantou e cantou juntamente com eles seus melhores sucessos.

Mas, no final do Show estava guardado o melhor: a mulher que não representa só uma nação, uma estrela que não brilha somente para sua etnia, ela que já não é mas um ídolo para seus fãs, é uma Diva, Shakira.

Quando esta musa entrou em cena, o mundo inteiro, não só quem estava no estádio, arregalou os olhos e admirou o que de mais bonito há no mundo da música nos últimos tempos. Ela cantou e emocionou a todos nós com seus sucessos, mas, principalmente aos anfitriões da competição mais empolgante que existe, cantando a música que representa a Copa, "Waka Waka", junto com uma orquestra do Soweto, bairro pobre da África do Sul.

Que festa de união e paz entre os povos esse dia representou! Que dia especial foi aquele!

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Promessas de Casamento - Martha Medeiros e Soneto da Fidelidade Vinícius de Moraes


Este texto foi enviado pela Haline, uma outra grande amiga!! Não faria mal se as promessas de casamento fossem mudadas mesmo, como incentiva Martha Medeiros... Mas, de que adiantam as promessas se, muitas vezes, não há o compromisso de cumpri-las? O texto é lindo!! Obrigada, Haline.


Promessas de Casamento

Em maio de 98, escrevi um texto em que afirmava que achava bonito o ritual do casamento a igreja, com seus vestidos brancos e tapetes vermelhos, mas que a única coisa que me desagradava era o sermão do padre. "Promete ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-lhe e respeitando-lhe até que a morte os separe?" Acho simplista e um pouco fora da realidade. Dou aqui novas sugestões de sermões:

- Promete não deixar a paixão fazer de você uma pessoa controladora, e sim respeitar a individualidade do seu amado, lembrando sempre que ele não pertence a você e que está ao seu lado por livre e espontânea vontade?
- Promete saber ser amiga(o) e ser amante, sabendo exatamente quando devem entrar em cena uma e outra, sem que isso lhe transforme numa pessoa de dupla identidade ou numa pessoa menos romântica?

- Promete fazer da passagem dos anos uma via de amadurecimento e não uma via de cobranças por sonhos idealizados que não chegaram a se concretizar?

- Promete sentir prazer de estar com a pessoa que você escolheu e ser feliz ao lado dela pelo simples fato de ela ser a pessoa que melhor conhece você e portanto a mais bem preparada para lhe ajudar, assim como você a ela?

- Promete se deixar conhecer?

- Promete que seguirá sendo uma pessoa gentil, carinhosa e educada, que não usará a rotina como desculpa para sua falta de humor?

- Promete que fará sexo sem pudores, que fará filhos por amor e por vontade, e não porque é o que esperam de você, e que os educará para serem independentes e bem informados sobre a realidade que os aguarda?

- Promete que não falará mal da pessoa com quem casou só para arrancar risadas dos outros?

- Promete que a palavra liberdade seguirá tendo a mesma importância que sempre teve na sua vida, que você saberá responsabilizar-se por si mesmo sem ficar escravizado pelo outro e que saberá lidar com sua própria solidão, que casamento algum elimina?

- Promete que será tão você mesmo quanto era minutos antes de entrar na igreja?Sendo assim, declaro-os muito mais que marido e mulher: declaro-os maduros.


domingo, 13 de junho de 2010

Amor X Escolha




Há muito tempo que tenho a certeza de que amor é muito mais que sentimento... O Sentimento é real, ele existe, mas o amor perdura mesmo depois que os sintomas (digamos assim) dos sentimentos desaparecem.


Foi a Kellen que compartilhou conosco este texto lindo da Lya Luft. A Lya é uma escritora madura,como a Kellen mesmo definiu, que começou como professora de Língua Portuguesa, como eu, mas que amava demais ensinar para continuar presa das burocracias do ensino: livros de chamada, notas, provas a corrigir, etc... Eu a invejo, um pouquinho, pois ainda não tive a coragem dela, que deixou tudo para trás e foi "ensinar" de outro jeito: ensinar-nos, leitores, a nós que queremos ouvi-la, que queremos aprender e degustar as ideias que ela nos passa, não para concordar com tudo, mas para questionar e crescer e aprender a pensar... Para nós ela não precisa dar nota, mas se desse, ela saberia que seria um 10!! Kellen, valeu, amiga!! Lindo texto!!






Amor X Escolha


A solidão dos homens tem a medida da solidão de suas mulheres. O casal perfeito seria o que sabe aceitar a solidão inevitável do ser humano, sem se sentir isolado do parceiro ou sem se isolar dele. Talvez se possa começar por aí: não correr para o casamento, o namoro, o amante (não importa) imaginando que agora serão solucionados ou suavizados todos os problemas como a chatice da casa dos pais, ver as amigas ou amigos casando e tendo filhos, a mesmice do emprego, chegar sozinho às festas e sexo difícil e sem afeto. Não cair nos braços do outro como quem cai na armadilha do "enfim nunca mais só!", porque aí é que a coisa começa a ferver. Conviver é enfrentar o pior dos inimigos, o insidioso, o silencioso, o sempre à espreita, incansável: o tédio, o desencanto, esse inimigo de dois rostos. Passada a primeira fase de paixão (desculpem, mas ela passa, o que não significa tédio nem fim de atração), começamos a amar de outro jeito. Ou a amar melhor; ou, aí é que começamos a amar. A querer bem; a apreciar,a respeitar; a valorizar; a mimar; a sentir a falta; a conceder espaço; a querer que o outro cresça e não fique grudado na gente. O cotidiano baixa sobre qualquer relação e qualquer vida, com a poeira do desencanto e do cansaço, do tédio. A conta a pagar, a empregada que não veio, alguém na família que ficou doente ou problemático, a mãe ou o pai deprimido ou simplesmente o emprego sem graça e o patrão de mau humor. E explodimos, queremos morrer, quando cai aquela última gota, pode ser uma trivialíssima gota - aí nos damos conta: nada mais é como era no começo. Nada foi como eu esperava. Não sei se quero continuar assim, mas também não sei o que fazer.Como não desistimos facilmente porque afinal somos guerreiros ou nem estaríamos mais aqui, e também porque há os compromissos, a casa, a grana e até ainda o afeto , é preciso inventar um jeito de recomeçar, reconstruir.Na verdade, devia-se reconstruir todos os dias. Usar da criatividade numa relação. O problema é que, quando se fala em criatividade numa relação, a maioria pensa logo em inovações no sexo, mas transar é o resultado, e não o meio . Um amigo disse no aniversário de sua mulher uma das coisas mais belas que ouvi: "Todos os dias de nosso casamento (de uns 40 anos), eu te escolhi de novo como minha mulher". Mas primeiro teríamos de nos escolher a nós mesmos diariamente. E de vez em quando sentar na cama ao acordar, pensar: como anda a minha vida? Quero continuar vivendo assim? Se não quero, o que posso fazer para melhorar? Quase sempre há coisas a melhorar, e quase sempre podem ser melhoradas. Ainda que seja algo bem simples; ainda que seja mais complicado, como realizar o velho sonho de estudar, de abrir uma loja, de fazer uma viagem, de mudar de profissão. Nós nos permitimos muito pouco em matéria de felicidade, alegria, realização e sobretudo abertura com o outro. É difícil? Sim, é difícil. É duro? Sim, é duro. Cada dia, levantar e escovar os dentes já é um ato heróico, dizia Hélio Pellegrino. Viver é um heroísmo, mas viver bem um amor, mais ainda. O casal perfeito talvez seja aquele que não desiste de correr atrás do sonho e da certeza de que, apesar dos pesares, nós, a cada dia, nos escolheríamos novamente!!!

Ainda falando de amor, porque falar de amor, nunca é demais...

A Karolinne Goulart enviou o poema de Camões como sugestão, é que recitaram esse lindo soneto no dia do noivado dela. Um soneto é um poema escrito em quatro estrofes, dois quartetos (estrofes de 4 versos) e dois tercetos (estrofes de 3 versos). Ele é realmente lindo!! Mas como, na sexta-feira eu havia postado o capítulo 13 da 1ª Carta de Paulo aos Coríntios, vou postar o texto de Camões, como a minha grande amiga e ex-aluna (também das boas!) Karol pediu, e depois a junção dos dois textos que Reanato Russo, do Legião Urbana, fez, na música que ele nomeou como Monte Castelo, é linda demais!!!
Bom dia a todos e continuem nesse clima de amor e paixão!

Amor é fogo que arde sem se ver

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Luís Vaz de Camões
Monte Castelo
Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor, eu nada seria...
É só o amor, é só o amor
Que conhece o que é verdade
O amor é bom, não quer o mal
Não sente inveja
Ou se envaidece...
O amor é o fogo
Que arde sem se ver
É ferida que dói
E não se sente
É um contentamento
Descontente
É dor que desatina sem doer...
Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor, eu nada seria...
É um não querer
Mais que bem querer
É solitário andar
Por entre a gente
É um não contentar-se
De contente
É cuidar que se ganha
Em se perder...
É um estar-se preso
Por vontade
É servir a quem vence
O vencedor
É um ter com quem nos mata
A lealdade
Tão contrário a si
É o mesmo amor...
Estou acordado
E todos dormem, todos dormem
Todos dormem
Agora vejo em parte
Mas então veremos face a face
É só o amor, é só o amor
Que conhece o que é verdade...
Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor, eu nada seria...
Composição: Renato Russo (recortes do Apóstolo Paulo e de Camões).

sexta-feira, 11 de junho de 2010

"O amor jamais acaba..."


O Apóstolo Paulo, falando aos Coríntios, fala do amor, ágape em grego, é mais do que o amor de irmãos (philio), o amor sexual entre casais (eros) e o amor pela família e afeição por determinada atividade (plato). É o amor que se doa inteiramente, é o amor que precisamos aprender com CRISTO, é o amor verdadeiro.
Deleite-se com essa leitura deliciosa...

1 Coríntios 13
1 Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.
2 E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.
3 E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.
4 O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.
5 Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;
6 Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;
7 Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
8 O amor nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá;
9 Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos;
10 Mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado.
11 Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.
12 Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido.
13 Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Ainda comemorando o dia dos namorados...



Uma contribuição da Ellen Poiares, psicóloga, minha amiga, ex-aluna, e das boas. O texto é da Martha Medeiros e é lindo!! Tá valendo!!!


Ah! A foto é da Ellen e do Watson (Irracionalmente apaixonados)
Se você quiser contribuir, sendo teu o texto ou dos teus preferidos, estou esperando...
Bjos, e FELIZ
DIA DO IRRACIONAL

Comemora-se nesta semana o dia daqueles que caminham a meio palmo do chão. Dia dos que acreditam que as estrelas cadentes realizam sonhos, dia dos que discutem por bobagem só pelo prazer da reconciliação, dia daqueles que dominam o tempo com precisão matemática: estamos juntos há cinco meses, duas semanas, dois dias, 13 horas, 24 minutos e 17 segundos...18...19... 20...

Dia daqueles que pensam e falam com as mãos, com a língua, com o nariz, com o corpo inteiro. Que utilizam todas as potencialidades do seu corpo, que empregam o coração como tradutor-intérprete e se armam até os dentes em defesa do seu sentimento. Dia de quem não saberia definir a palavra cérebro. Cérebro é uma fruta que dá muito no Piauí. Cérebro é o nome de um dos irmãos de Caim. Sei lá o que é cérebro, pô.

Dia de quem procura no dicionário alguma palavra que seja mais significativa que amor, dia de quem não se importa de ficar sem luz desde que não fique sem telefone, dia de quem caminha pela calçada ajustando o passo, feito soldados, só que agarradinhos.

Dia de quem não come alho porque o Julio repara, de quem não usa verde-água porque a Soninha acha brega, não corta o cabelo porque o Flávio me mata, não espalita os dentes porque a Carla fica uma arara.

Dia de quem, tomando café-da-manhã, acha que não vai agüentar esperar até às 8 da noite, hora de ir pro cinema. Dia de quem, estando numa quinta-feira, acha que falta um século para o sábado chegar. Dia de quem, estando em junho, acha que setembro levará três eternidades pra despontar no horizonte, quando então seu amor voltará da viagem de intercâmbio.

Dia de quem despreza todas as palavras que foram inventadas, a não ser três: eu te amo. Dia de quem se acha mais bonita do que a Carolina Ferraz, mais rico do que Abílio Diniz, mais campeão do que o Guga. Dia de quem é vegetariano mas encara um fondue de carne, dia de quem não é sociável mas engrena um bate-papo animado com a sogra, dia de quem jurou que jamais iria acampar, e lá vão eles dormir sob as estrelas.

Dia dos irracionais, dos que são movidos pelo instinto, dos que não se apavoram com nada, só com a ausência de e-mails e dos toques do telefone. Dia dessa gente feliz que namora.

A vida é boa nas pequenas coisas. Não há terrorismo no cotidiano.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Pra comemorar o Dia dos Namorados


Ontem postei: "Venha ver o pôr-do-sol", da Lygia, hoje, ainda em comemoração ao Dia dos Namorados, leiam Drumonnd:

Ter ou não ter namorado? Eis a questão

Quem não tem namorado é alguém que tirou férias não remuneradas de si mesmo.
Namorado é a coisa mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito raro.
Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrimas, nuvem, quindim, brisa ou filosofia. Paquera, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão, é difícil. Mas namorado mesmo, é muito mais difícil.
Namorado não precisa ser o mais bonito, mas ser aquele a quem se proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio e quase desmaia pedindo proteção.
A proteção dele não precisa ser parruda, decidida ou bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição.
Quem não tem namorado não é quem não tem um amor: é quem não sabe o gosto de namorar.
Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento e dois amantes, mesmo assim pode não ter nenhum namorado.
Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema sessão das duas, medo do pai, sanduíche de padaria ou drible no trabalho.
Não tem namorado quem faz pactos de amor apenas com a infelicidade ainda que rápida, escondida, fugidia ou impossível de durar.
Não tem namorado quem não sabe o valor das mãos dadas, de carinho escondido na hora em que passa o filme, e de flor catada no jardim da vizinha e entregue de repente, de poesia de Fernando Pessoa, de Vinícius de Moraes ou Chico Buarque lida bem devagar, de gargalhada quando fala junto ou descobre a meia rasgada, de ânsia enorme de viajar para a Escócia ou mesmo de metrô, bonde, nuvem, cavalo alado, tapete mágico ou foguete interplanetário.
Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor, nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos, quem não gosta de dormir agarrado, fazer a sesta abraçado, fazer compra junto, ficarem abobalhados de lucidez do amor. Não tem namorado quem não redescobre a criança própria e a do amado e sai com ela para parques, fliperamas, beira d’água, show do Milton Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical da Metro.
Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros, quem não recorta artigos, quem não se chateia do fato do seu bem paquerado, quem ama sem gostar, quem gosta sem curtir, quem curte sem aprofundar, quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim-de-semana, madrugada ou meio-dia de sol em plena praia cheia de rivais.
Não tem namorado quem não confunde solidão com ficar sozinho e em paz, quem não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo, carinhoso.
Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor é alegre e você vive pesando duzentos quilos de grilos e de medos, ponha a saia mais leve, aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o mar. Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma de leves fricções de esperança.
De alma escovada e coração aberto, saia do quintal, da janela, de si mesmo e descubra o próprio jardim.
Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela.
Ponha as intenções de sinceridade em seus olhos e beba o licor de contos de fadas. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteio.
Se você não tem namorado é porque ainda não enlouqueceu aquele pouquinho necessário a fazer a vida e de repente parecer que faz sentido.
ENLOU-CRESÇA!!!!
(Carlos Drumonnd de Andrade)

terça-feira, 8 de junho de 2010


VENHA VER O PÔR-DO-SOL
Ela subiu sem pressa a tortuosa ladeira. À medida que avançava, as casas iam rareando, modestas casas espalhadas sem simetria e ilhadas em terrenos baldios. No meio da rua sem calçamento, coberta aqui e ali por um mato rasteiro, algumas crianças brincavam de roda. A débil cantiga infantil era a única nota viva na quietude da tarde.
Ele a esperava encostado a uma árvore. Esguio e magro, metido num largo blusão azul-marinho, cabelos crescidos e desalinhados, tinham um jeito jovial de estudante.
- Minha querida Raquel.
Ela encarou-o, séria. E olhou para os próprios sapatos.
- Vejam que lama. Só mesmo você inventaria um encontro num lugar destes. Que idéia, Ricardo, que idéia! Tive que descer do táxi lá longe, jamais ele chegaria aqui em cima
Ele sorriu entre malicioso e ingênuo.
- Jamais, não é? Pensei que viesse vestida esportivamente e agora me aparece nessa elegância me aparece nessa elegância...Quando você andava comigo, usava uns sapatões de sete-léguas, lembra?
- Foi para falar sobre isso que você me fez subir até aqui?- perguntou ela, guardando as luvas na bolsa. Tirou um cigarro.- Hem?!
- Ah, Raquel...- e ele tomou-a pelo braço rindo.
- Você está uma coisa de linda. E fuma agora uns cigarrinhos pilantras, azul e dourado...Juro que eu tinha que ver uma vez toda essa beleza, sentir esse perfume. Então fiz mal?
- Podia Ter escolhido um outro lugar, não? – Abrandara a voz – E que é isso aí? Um cemitério?
Ele voltou-se para o velho muro arruinado. Indicou com o olhar o portão de ferro, carcomido pela ferrugem.
- Cemitério abandonado, meu anjo. Vivo e mortos, desertaram todos. Nem os fantasmas sobraram, olha aí como as criancinhas brincam sem medo – acrescentou, lançando um olhar às crianças rodando na sua ciranda. Ela tragou lentamente. Soprou a fumaça na cara do companheiro. Sorriu. - Ricardo e suas idéias. E agora? Qual é o programa?
Brandamente ele a tomou pela cintura.
- Conheço bem tudo isso, minha gente está enterrada aí. Vamos entrar um instante e te mostrarei o pôr do sol mais lindo do mundo.
Perplexa, ela encarou-o um instante. E vergou a cabeça para trás numa risada.
- Ver o pôr do sol!...Ah, meu Deus...Fabuloso, fabuloso!...Me implora um último encontro, me atormenta dias seguidos, me faz vir de longe para esta buraqueira, só mais uma vez, só mais uma! E para quê? Para ver o pôr do sol num cemitério...
Ele riu também, afetando encabulamento como um menino pilhado em falta.
- Raquel minha querida, não faça assim comigo. Você sabe que eu gostaria era de te levar ao meu apartamento, mas fiquei mais pobre ainda, como se isso fosse possível. Moro agora numa pensão horrenda, a dona é uma Medusa que vive espiando pelo buraco da fechadura...
- E você acha que eu iria?
- Não se zangue, sei que eu iria, você está sendo fidelíssima. Então pensei, se pudéssemos conversar um instante numa rua afastada...- disse ele, aproximando-se mais. Acariciou-lhe o braço com s pontas dos dedos. Ficou sério. E aos poucos, inúmeras rugazinhas foram se formando em redor dos seus olhos ligeiramente apertados. Os leques de rugas se aprofundaram numa expressão astuta. Não era nesse instante tão jovem como aparentava. Mas logo sorriu e a rede de rugas desapareceu sem deixar vestígio. Voltou-lhe novamente o ar inexperiente e meio desatento –Você fez bem em vir.
- Quer dizer que o programa... E não podíamos tomar alguma coisa num bar?
- Estou sem dinheiro, meu anjo, vê se entende.
- Mas eu pago.
- Com o dinheiro dele? Prefiro beber formicida. Escolhi este passeio porque é de graça e muito decente, não pode haver passeio mais decente, não concorda comigo? Até romântico.
Ela olhou em redor. Puxou o braço que ele apertava.
- Foi um risco enorme Ricardo. Ele é ciumentíssimo. Está farto de saber que tive meus casos. Se nos pilha juntos, então sim, quero ver se alguma das suas fabulosas idéias vai me consertar a vida.
- Mas me lembrei deste lugar justamente porque não quero que você se arrisque, meu anjo. Não tem lugar mais discreto do que um cemitério abandonado, veja, completamente abandonado – prosseguiu ele, abrindo o portão. Os velhos gonzos gemeram. – Jamais seu amigo ou um amigo do seu amigo saberá que estivemos aqui.
- É um risco enorme, já disse . Não insista nessas brincadeiras, por favor. E se vem um enterro? Não suporto enterros.
- Mas enterro de quem? Raquel, Raquel, quantas vezes preciso repetir a mesma coisa?! Há séculos ninguém mais é enterrado aqui, acho que nem os ossos sobraram, que bobagem. Vem comigo, pode me dar o braço, não tenha medo...
O mato rasteiro dominava tudo. E, não satisfeito de Ter-se alastrado furioso pelos canteiros, subira pelas sepulturas, infiltrando-se ávido pelos rachões dos mármores, invadira alamedas de pedregulhos esverdinhados, como se quisesse com a sua violenta força de vida cobrir para sempre os últimos vestígios da morte. Foram andando vagarosamente pela longa alameda banhada de sol. Os passos de ambos ressoavam sonoros como uma estranha música feita do som das folhas secas trituradas sobre os pedregulhos. Amuada mas obediente, ela se deixava conduzir como uma criança. Às vezes mostrava certa curiosidade por uma ou outra sepultura com os pálidos medalhões de retratos esmaltados.
- É imenso, hem? E tão miserável, nunca vi um cemitério mais miserável, é deprimente – exclamou ela atirando a ponta do cigarro na direção de um anjinho de cabeça decepada.- Vamos embora, Ricardo, chega.
- Ah, Raquel, olha um pouco para esta tarde! Deprimente por quê? Não sei onde foi que eu li, a beleza não está nem na luz da manhã nem na sombra da tarde, está no crepúsculo, nesse meio-tom, nessa ambigüidade. Estou lhe dando um crepúsculo numa bandeja e você se queixa.
- Não gosto de cemitério, já disse. E ainda mais cemitério pobre.
Delicadamente ele beijou-lhe a mão.
- Você prometeu dar um fim de tarde a este seu escravo.
- É, mas fiz mal. Pode ser muito engraçado, mas não quero me arriscar mais.
- Ele é tão rico assim?
- Riquíssimo. Vai me levar agora numa viagem fabulosa até o Oriente. Já ouviu falar no Oriente? Vamos até o Oriente, meu caro...
Ele apanhou um pedregulho e fechou-o na mão. A pequenina rede de rugas voltou a se estender em redor dos seus olhos. A fisionomia, tão aberta e lisa, repentinamente escureceu, envelhecida. Mas logo o sorrisso reapareceu e as rugazinhas sumiram.
- Eu também te levei um dia para passear de barco, lembra?
Recostando a cabeça no ombro do homem, ela retardou o passo.
- Sabe Ricardo, acho que você é mesmo tantã...Mas, apesar de tudo, tenho às vezes saudade daquele tempo. Que ano aquele! Palavra que, quando penso, não entendo até hoje como agüentei tanto, imagine um ano
- É que você tinha lido A dama das Camélias, ficou assim toda frágil, toda sentimental. E agora? Que romance você está lendo agora. Hem?
- Nenhum- respondeu ela, franzindo os lábios. Deteve-se para ler a inscrição de uma laje despedaçada: - A minha querida esposa, eternas saudades- leu em voz baixa. Fez um muxoxo.- Pois sim. Durou pouco essa eternidade.
Ele atirou o pedregulho num canteiro ressequido.
Mas é esse abandono na morte que faz o encanto disto. Não se encontra mais a menor intervenção dos vivos, a estúpida intervenção dos vivos. Veja- disse, apontando uma sepultura fendida, a erva daninha brotando insólita de dentro da fenda -, o musgo já cobriu o nome na pedra. Por cima do musgo, ainda virão as raízes, depois as folhas...Esta a morte perfeita, nem lembrança, nem saudade, nem o nome sequer. Nem isso.
Ela aconchegou-se mais a ele. Bocejou.
- Está bem, mas agora vamos embora que já me diverti muito, faz tempo que não me divirto tanto, só mesmo um cara como você podia me fazer divertir assim – Deu-lhe um rápido beijo na face.- Chega Ricardo, quero ir embora.
- Mais alguns passos...
- Mas este cemitério não acaba mais, já andamos quilômetros! – Olhou para atrás. – Nunca andei tanto, Ricardo, vou ficar exausta.
- A boa vida te deixou preguiçosa. Que feio – lamentou ele, impelindo-a para frente. – Dobrando esta alameda, fica o jazigo da minha gente, é de lá que se vê o pôr do sol. – E, tomando-a pela cintura: - Sabe, Raquel, andei muitas vezes por aqui de mãos dadas com minha prima. Tínhamos então doze anos. Todos os domingos minha mãe vinha trazer flores e arrumar nossa capelinha onde já estava enterrado meu pai. Eu e minha priminha vínhamos com ela e ficávamos por aí, de mãos dadas, fazendo tantos planos. Agora as duas estão mortas.
- Sua prima também?
- Também. Morreu quando completou quinze anos. Não era propriamente bonita, mas tinha uns olhos...Eram assim verdes como os seus, parecidos com os seus. Extraordinário, Raquel, extraordinário como vocês duas...Penso agora que toda a beleza dela residia apenas nos olhos, assim meio oblíquos, como os seus.
- Vocês se amaram?
- Ela me amou. Foi a única criatura que...- Fez um gesto. – Enfim não tem importância.
Raquel tirou-lhe o cigarro, tragou e depois devolveu-o
- Eu gostei de você, Ricardo.
- E eu te amei. E te amo ainda. Percebe agora a diferença?
Um pássaro rompeu o cipreste e soltou um grito. Ela estremeceu.
- Esfriou, não? Vamos embora.
- Já chegamos, meu anjo. Aqui estão meus mortos.
Pararam diante de uma capelinha coberta de alto a baixo por uma trepadeira selvagem, que a envolvia num furioso abraço de cipós e folhas. A estreita porta rangeu quando ele a abriu de par em par. A luz invadiu um cubículo de paredes enegrecidas, cheias de estrias de antigas goteiras. No centro do cubículo, um altar meio desmantelado, coberto por uma toalha que adquirira a cor do tempo. Dois vasos de desbotada opalina ladeavam um tosco crucifixo de madeira. Entre os braços da cruz, uma aranha tecera dois triângulos de teias já rompidas, pendendo como farrapos de um manto que alguém colocara sobre os ombro do Cristo. Na parede lateral, à direita da porta, uma portinhola de ferro dando acesso para uma escada de pedra, descendo em caracol para a catacumba.
Ela entrou na ponta dos pés, evitando roçar mesmo de leve naqueles restos da capelinha.
- Que triste é isto, Ricardo. Nunca mais você esteve aqui?
Ele tocou na face da imagem recoberta de poeira. Sorriu melancólico.
- Sei que você gostaria de encontrar tudo limpinho, flores nos vasos, velas, sinais da minha dedicação, certo?
- Mas já disse que o que eu mais amo neste cemitério é precisamente esse abandono, esta solidão. As pontes com o outro mundo foram cortadas e aqui a morte se isolou total. Absoluta.
Ela adiantou-se e espiou através das enferrujadas barras de ferro da portinhola. Na semi-obscuridade do subsolo, os gavetões se estendiam ao longo das quatro paredes que formavam um estreito retângulo cinzento.
- E lá embaixo?
- Pois lá estão as gavetas. E, nas gavetas, minhas raízes. Pó, meu anjo, pó- murmurou ele. Abriu a portinhola e desceu a escada. Aproximou-se de uma gaveta no centro da parede, segurando firme na alça de bronze, como se fosse puxá-la. – A cômoda de pedra. Não é grandiosa?
Detendo-se no topo da escada, ela inclinou-se mais para ver melhor.
- Todas estas gavetas estão cheias?
- Cheias?...- Sorriu.- Só as que tem o retrato e a inscrição, está vendo? Nesta está o retrato da minha mãe, aqui ficou minha mãe- prosseguiu ele, tocando com as pontas dos dedos num medalhão esmaltado, embutido no centro da gaveta.
Ela cruzou os braços. Falou baixinho, um ligeiro tremor na voz.
- Vamos, Ricardo, vamos.
- Você está com medo?
- Claro que não estou é com frio. Suba e vamos embora, estou com frio!
Ele não respondeu. Adiantara-se até um dos gavetões na parede oposta e acendeu um fósforo. Inclinou-se para o medalhão frouxamente iluminado:
- A priminha Maria Emília. Lembro-me até do dia em que tirou esse retrato. Foi umas duas semanas antes de morrer... Prendeu os cabelos com uma fita azul e vejo se exibir, estou bonita? Estou bonita?...- Falava agora consigo mesmo, doce e gravemente.- Não, não é que fosse bonita, mas os olhos...Venha ver, Raquel, é impressionante como tinha olhos iguais aos seus.
Ela desceu a escada, encolhendo-se para não esbarrar em nada.
- Que frio que faz aqui. E que escuro, não estou enxergando...
Acendendo outro fósforo, ele ofereceu-o à companheira.
- Pegue, dá para ver muito bem...- Afastou-se para o lado.- Repare nos olhos.
- Mas estão tão desbotados, mal se vê que é uma moça...- Antes da chama se apagar, aproximou-a da inscrição feita na pedra. Leu em voz alta, lentamente.- Maria Emília, nascida em vinte de maio de mil oitocentos e falecida...- Deixou cair o palito e ficou um instante imóvel – Mas esta não podia ser sua namorada, morreu há mais de cem anos! Seu menti...
Um baque metálico decepou-lhe a palavra pelo meio. Olhou em redor. A peça estava deserta. Voltou o olhar para a escada. No topo, Ricardo a observava por detrás da portinhola fechada. Tinha seu sorriso meio inocente, meio malicioso.
- Isto nunca foi o jazigo da sua família, seu mentiroso? Brincadeira mais cretina! – exclamou ela, subindo rapidamente a escada. – Não tem graça nenhuma, ouviu?
Ele esperou que ela chegasse quase a tocar o trinco da portinhola de ferro. Então deu uma volta à chave, arrancou-a da fechadura e saltou para trás.
- Ricardo, abre isto imediatamente! Vamos, imediatamente! – ordenou, torcendo o trinco.- Detesto esse tipo de brincadeira, você sabe disso. Seu idiota! É no que dá seguir a cabeça de um idiota desses. Brincadeira mais estúpida!
- Uma réstia de sol vai entrar pela frincha da porta, tem uma frincha na porta. Depois, vai se afastando devagarinho, bem devagarinho. Você terá o pôr do sol mais belo do mundo.
Ela sacudia a portinhola.
- Ricardo, chega, já disse! Chega! Abre imediatamente, imediatamente!- Sacudiu a portinhola com mais força ainda, agarrou-se a ela, dependurando-se por entre as grades. Ficou ofegante, os olhos cheios de lágrimas. Ensaiou um sorriso.- Ouça, meu bem, foi engraçadíssimo, mas agora preciso ir mesmo, vamos, abra...
Ele já não sorria. Estava sério, os olhos diminuídos. Em redor deles, reapareceram as rugazinhas abertas em leque.
- Boa noite, Raquel.
- Chega, Ricardo! Você vai me pagar!...- gritou ela, estendendo os braços por entre as grades, tentando agarrá-lo.- Cretino! Me dá a chave desta porcaria, vamos! - exigiu, examinando a fechadura nova em folha. Examinou em seguida as grades cobertas por uma crosta de ferrugem. Imobilizou-se. Foi erguendo o olhar até a chave que ele balançava pela argola, como um pêndulo. Encarou-o, apertando contra a grade a face sem cor. Esbugalhou os olhos num espasmo e amoleceu o corpo. Foi escorregando.
- Não, não...
Voltado ainda para ela, ele chegara até a porta e abriu os braços. Foi puxando as duas folhas escancaradas.
- Boa noite, meu anjo.
Os lábios dela se pregavam um ao outro, como se entre eles houvesse cola. Os olhos rodavam pesadamente numa expressão embrutecida.
- Não...
Guardando a chave no bolso, ele retomou o caminho percorrido. No breve silêncio, o som dos pedregulhos se entrechocando úmidos sob seus sapatos. E, de repente, o grito medonho, inumano:
- NÃO!
Durante algum tempo ele ainda ouviu os gritos que se multiplicaram, semelhantes aos de um animal sendo estraçalhado. Depois, os uivos foram ficando mais remotos, abafados como se viessem das profundezas da terra. Assim que atingiu o portão do cemitério, ele lançou ao poente um olhar mortiço. Ficou atento. Nenhum ouvido humano escutaria agora qualquer chamado. Acendeu um cigarro e foi descendo a ladeira. Crianças ao longe brincavam de roda.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

SERÁ QUE A PORTA ESTA ABERTA?


E você, gostaria de ver seu texto no blog? O Pablo mandou um conto. Leia e veja como ficou bom!!!
Um abraço!!
Estou esperando o seu!!!

SERÁ QUE A PORTA ESTA ABERTA?

Das muitas noites que passei sozinho em casa, uma nunca vou esquecer, cheguei tarde, estava na rua com amigos ou em algum baile de fim de semana, não me lembro bem agora. Bons tempos que não voltam mais, adolescência, você quer passar logo por ela, mas quando passa ficam muitas saudades. Como dizia, cheguei tarde, ao apartamento pequeno um lanche antes de deitar, como de costume a TV na sala ligada em frente ao jogo de sofá em L deixando a sala pequena separada em dois ambientes, uma janela grande, ao lado esquerdo uma estante com a TV um sofá em frente e o outro de frente para a janela e atrás dele mesa e cadeiras onde fazíamos nossas refeições, no chão um tapete grande felpudo, bege e marrom tornando o ambiente mais acolhedor, deitei no tapete, o apartamento era só meu, não precisava ir para o quarto e não queria, gostava de assistir TV , seção coruja.
De repente um pensamento me veio a cabeça, “será que fechei a porta?” a sala escura iluminada somente pela claridade da TV, não me lembro o que estava passando, e esse pensamento que eu sabia que não ia sair da minha cabeça enquanto não me levantasse e fosse ver se a porta realmente estava fechada, levantei, passei pelo sofá e fui em direção a porta, virei a chave, estava trancada me dirigi novamente para a sala, mas algo muito estranho aconteceu: uma luz na janela, um tanto fraca mas como a cortina estava fechada não pude ver de onde vinha, parei detrás do sofá em frente a janela, e a luz começou a ficar cada vez mais forte e intensa, não podia ser de um farol pois moro no primeiro andar, um frio percorreu minha espinha, a luz que estava muito forte agora ofuscava minha visão, eu estava paralisado, quem já sentiu sabe, quando o medo é muito grande você não grita, não pede socorro, sua voz vai embora e seu corpo congela, parado ali a cortina começou a se abrir, eu que já estava paralisado, não podia acreditar no que estava vendo, afinal a janela estava fechada, então apareceu um homem, cabelos brancos lisos e compridos, barba branca, uma expressão de seriedade, os olhos azuis fixos nos meus olhos, nem uma palavra, as vestes mais brancas que eu já vi, não calça e camisa, mas vestes de povos antigos como os povos do oriente médio, ainda nada, somente o olhar fixo em mim, meu coração acelerado parecia que ia sair pela boca, eu queria correr, mas estava paralisado e aquele olhar incógnito a me observar, minhas pernas tremiam, o frio ainda percorria a minha espinha, então acordei, o coração ainda acelerado, agora consegui me mexer me colocar sentado no tapete, suor escorrendo pelo meu rosto, a sala escura e ainda clareada pelo brilho da televisão, foi um pesadelo! Foi um pesadelo? O pensamento ainda embaralhado, deitei novamente, o ritmo cardíaco voltava a se normalizar, algo passava na TV , e antes de pegar novamente no sono, uma idéia voltou a passar pela minha mente. “ Será que a porta está aberta?”.


Pablo Molina Cebrian

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

ESCREVER



Nasce um escritor
O primeiro dever passado pelo novo professor de português foi uma descrição tendo o mar como tema. A classe se inspirou, toda ela, nos encapelados mares de Camões, aqueles nunca dantes navegados. Prisioneiro no internato, eu vivia na saudade das praias do Pontal onde conhecera a
liberdade e o sonho. O mar de Ilhéus foi o tema de minha descrição.
Padre Cabral levara os deveres para corrigir em sua cela.
Na aula seguinte, entre risonho e solene, anunciou a existência de uma vocação autêntica de escritor naquela sala de aula. Pediu que escutassem com atenção o dever que ia ler. Tinha certeza, afirmou, que o autor daquela página seria no futuro um escritor conhecido. Não regateou
elogios. Eu acabara de completar onze anos.
Passei a ser uma personalidade, segundo os cânones do colégio, ao lado dos futebolistas, dos campeões de matemática, dos que obtinham medalhas. Fui admitido numa espécie de Círculo Literário onde brilhavam alunos mais velhos. Nem assim deixei de me sentir prisioneiro.
Houve, porém, sensível mudança na limitada vida do aluno interno: o padre Cabral tomou-me sob sua proteção e colocou em minhas mãos livros de sua estante. Primeiro “As Viagens de Gulliver”, depois clássicos portugueses, traduções de ficcionistas ingleses e franceses.
Recordo com carinho a figura do jesuíta português, erudito e amável. Menos por me haver anunciado escritor, sobretudo por me haver dado o amor aos livros, por me
haver revelado o mundo da criação literária. Ajudou-me a suportar aqueles dois anos de internato, a fazer mais leve a minha prisão, minha primeira prisão.


(Jorge Amado. O menino Grapiúna. Rio de Janeiro: Record,
1987, p. 117-120. Adaptado).
Queridos alunos, ex-alunos e/ou amigos,
Queria eu ter impresso em vocês esse mesmo gosto de escrever e/ou ler que o professor de Jorge Amado, mas ainda está em tempo. A ideia desse blog é justamente abrir um espaço para você, seus textos, seus pretextos e seu contexto. A ideia é reler suas obras, "publicá-las" para que outros leiam e apreciem. A ideia é de que mais e mais escritores nasçam e se desenvolvam.
Então, mande pra mim suas ideias, seus textos, pode se por email, por carta ou pessoalmente.
E que nasçam outros escritores!!!!!!!!!!!!!